Um escanteio cobrado pela esquerda, um desvio no meio do caminho. A bola sobra no pé esquerdo de Tiago Rangel. O zagueiro manda para o fundo da rede e marca o gol da vitória do Flamengo por 1 a 0 contra o Botafogo. Uma zebra gigante… no Campeonato Paraibano. A partida foi disputada no estádio Almeidão, em João Pessoa, em 11 de março de 2012. Um dia histórico para o
Esporte Clube Flamengo Paraibano
, que disputava o torneio pela primeira vez.
A “filial” flamenguista teve apenas quatro anos de existência; dois no futebol profissional. O pouco tempo foi suficiente para o clube conseguir um acesso heroico à elite do estadual. A vaga na primeira divisão veio sob o comando do técnico Ramiro Souza, um ex-meio-campista, ídolo do
Botafogo-PB
, que esteve em campo pela equipe contra o
Flamengo
— o original — na
Copa do Brasil
de 1999. O confronto vai se repetir nesta quinta-feira (1º), às 20h (de Brasília), pelo jogo de ida da terceira fase do torneio de mata-mata.
A expectativa para o possível sucesso do Flamengo Paraibano era grande. O time foi apadrinhado por Márcio Braga, ex-presidente do Rubro-Negro carioca, e a vontade de Ranieri Fonseca, um dos fundadores, era criar um vínculo de apoio, promover intercâmbios, mandando atletas para o Rio de Janeiro e recebendo jogadores que precisassem ganhar experiência. Não deu certo. A “filial” nunca foi oficial, mas, sim, um time independente, apesar da clara inspiração, que se refletia também no escudo e uniforme parecidos.
“A ideia surgiu porque eu sempre tive escolinhas do Flamengo na Paraíba. A gente via muitos garotos despontarem para outros clubes, e tivemos a ideia de criar o time. Fomos ao Rio de Janeiro para falar com o Márcio Braga e tivemos o apoio dele. Começamos a trabalhar as categorias de base em 2008, competindo em torneios. Depois resolvemos profissionalizar para disputar o Campeonato Paraibano”, contou Fonseca, que se tornou o presidente do clube, à
ESPN
.
Ascensão meteórica veio com ídolo do Botafogo-PB
A trajetória do Flamengo Paraibano não começou bem. O primeiro passo após a profissionalização era disputar a segunda divisão do Campeonato Paraibano. Quando o clube entrou no torneio, em 2011, eram apenas quatro participantes, que se enfrentavam em turno e returno. Os dois com mais pontos subiam à elite.
A equipe perdeu os três primeiros jogos. Foi derrotada por Santa Cruz, Paraíba e Serrano. As chances de conseguir a vaga eram pequenas, e foi necessária uma mudança.
“O presidente Ranieri me convidou, fizemos uma reunião. Como já tinham perdido três jogos, restava vencer os três duelos seguintes e depender de resultados. Eu falei que ele não precisaria me pagar de início, que só me pagaria valores após o término da competição, se viesse a classificação, e ele aceitou”, revelou Ramiro Souza, que assumiu a vaga de treinador.
“Eu disse que precisaria de mais três ou quatro atletas, mas não havia essa condição”, contou. “Não tínhamos centro de treinamento. A gente treinava no Juracizão, um campo que na época era da federação. O presidente ainda estava buscando apoios, não tínhamos muita estrutura, e mesmo assim falei para os atletas que precisávamos nos unir, dar as mãos e lutar até o fim”, seguiu.
As três vitórias vieram: todas por 2 a 1, com drama, e a vaga à primeira divisão se confirmou na última rodada, diante do Serrano.
“Foi uma festa tremenda. Foi histórico, ninguém esperava”, relembrou Ramiro, que deixou o clube logo depois. Uma passagem que durou apenas três jogos, mas foi marcante — ainda mais pelo passado dele no futebol.
“Eu tive uma vida toda pelo Botafogo-PB, desde os 12 anos, desde as categorias infantis do clube. Fiquei muitos anos, tive todos os títulos que um atleta poderia ter no clube, até juniores. Fomos campeões em todas as categorias, depois virei profissional. Subi com 16 anos, conquistei cinco títulos paraibanos, sou um dos jogadores que mais vestiram a camisa”, contou o técnico e ex-meia.
Foi defendendo o Botafogo-PB que Ramiro teve uma oportunidade única: jogar contra o Flamengo no Maracanã pela primeira e única vez. O time carioca eliminou os paraibanos na primeira fase da Copa do Brasil de 1999, com empate por 3 a 3 na Paraíba e vitória por 2 a 1 no Rio de Janeiro.
“Tenho uma grande história no segundo jogo. Foi minha despedida como atleta profissional. Conversei com nosso treinador Ademir Muller, fui ao apartamento dele e falei que era uma oportunidade única ir ao Maracanã jogar contra o Flamengo. Eu já estava pensando em encerrar a carreira e começar como treinador. Falei que, se tivesse oportunidade de entrar no jogo, eu iria agradecê-lo pelo resto da vida”, revelou.
“E aconteceu. Estávamos perdendo por 1 a 0, empatamos, e na segunda etapa, com oito ou dez minutos, fui chamado para entrar no jogo. Perdemos por 2 a 1, mas saímos de cabeça erguida por termos feito um grande jogo. Muitos atletas nunca tinham jogado no Maracanã, era onde todos queriam jogar. Só tenho gratidão por ter vestido essa camisa e jogado contra o Flamengo no palco iluminado”, concluiu.
Flamengo Paraibano na elite
Depois de conseguir a vaga suada, era hora, em 2012, de o Flamengo Paraibano estrear na elite estadual. Até Márcio Braga, já com mandato encerrado na presidência do Flamengo, foi à Paraíba para o primeiro jogo, que foi contra o
Campinense
, e pediu apoio dos torcedores do Rubro-Negro carioca ao time nordestino.
Apesar da empolgação, o desempenho em campo não correspondeu. Foram dez derrotas nos dez primeiros jogos.
“Quando o Flamengo subiu, muita gente dizia que torcia para o Botafogo-PB, mas que era flamenguista no Rio de Janeiro e ia torcer para o Flamengo Paraibano, diziam isso em programas de rádio. Isso gerou expectativa de que o Flamengo fosse prosperar”, afirmou Ranieri Fonseca.
“O clube não deu liga na competição. Era uma equipe frágil, sem grandes vitórias, então não teve o efeito que a torcida queria para abraçar”, completou Ramiro Souza.
A campanha inteira teve 18 partidas, com 15 derrotas, dois empates e apenas uma vitória — uma vitória histórica. Foram 15 gols marcados e 40 sofridos.
Triunfo dos sonhos
A única vitória do Flamengo Paraibano na primeira divisão do estadual foi contra o tradicional Botafogo-PB, um dos clubes mais tradicionais localmente, fundado em 1931. O placar de 1 a 0 nasceu histórico.
“Eu tinha vindo do Imperatriz do Maranhão. Estava sem clube. Ligaram para mim e eu fui para o Flamengo. Minha estreia foi justamente contra o Botafogo-PB. Tive a felicidade de marcar o gol”, contou o ex-zagueiro Tiago Rangel, também à
ESPN
.
“A torcida do Botafogo era bem maior, o Flamengo era novo. O clima era melhor para eles, a pressão era grande. E nós, com pés no chão, conseguimos o objetivo”, continuou o ex-atleta, que sempre foi torcedor do Flamengo do Rio Janeiro e classificou a atuação pelo time paraibano como “um orgulho imenso”.
O resultado foi tratado pela imprensa como zebra. O Botafogo-PB saiu do G-4 após a derrota. O Flamengo, por outro lado, conseguiu deixar momentaneamente a lanterna.
“Mais gente passou a frequentar nossos jogos. Tivemos um momento bom na competição quando ganhamos do Botafogo, começamos a ter público maior”, relembrou o ex-presidente Ranieri Fonseca.
“Teve comemoração, vimos muita gente falar que agora ia torcer para o Flamengo. Sentimos que, se o clube tivesse seguido e se estruturado, a gente teria apoio da torcida do Flamengo, muitos iam virar a casaca, virar Flamengo”, completou.
Encerramento das atividades
O Flamengo terminou o Campeonato Paraibano na última colocação, com cinco pontos, e foi rebaixado para a segunda divisão. O time já convivia com a escassez de recursos e a parte financeira pesou: não voltou a disputar a segundona e acabou com o time profissional depois de quatro anos da fundação.
“A oportunidade foi legal, mas infelizmente o clube não estava preparado. Não tinha ainda aquele apoio forte, por isso subiu e desceu rápido. Se tivesse trabalhado um pouco mais, não tinha caído”, pontuou Tiago Rangel, uma fala corroborada por Ranieri Fonseca.
“Foi uma experiência difícil, não foi fácil, porque vemos que é um ambiente diferente de ter escolinha. São gastos enormes, tem de ter estrutura, diretoria unida, apoios, patrocínios. Conseguia alguns patrocínios, mas muita gente queria ver o projeto crescer mais antes de investir. É difícil no início. Quando não tem um apoio financeiro bom para tocar o negócio, a tendência é você parar”, analisou o ex-presidente.
Fonte: Netfla